terça-feira, 30 de setembro de 2025

Vetar é humano

Há 12 anos, em 30 de setembro, encerravam as operações da antiga MTV, que estava sob batuta do Grupo Abril. Colaborei nos anos finais do canal, presenciando o apagar das luzes e o acender do último pigas, na companhia de gente que carimbou os estratos da Alfonso Bovero n.º 52, onde também funcionou a TV Tupi nos anos 1970.


Vista da escadaria externa do prédio da MTV (2011)


Bastidores do 'Trolalá MTV' (2012)

Muita história se deu naquele lugar, você pode imaginar. Algumas foram documentadas no jocoso "MTV, bota essa p#@% pra funcionar", do Zico Goes, o cara que comandou a programação da emissora por anos. O livro traz desde curiosidades do processo criativo à guerra com a TV Globo pelo Acústico do Roberto Carlos. É um prato cheio pra quem viveu aquele período ou se interessa pelo combo audiovisual + música.


Tem uma que me contaram nessas pausas prum café e não tá na seleta do Zico: o Luau perdido do Jorge Benjor. Aos mais efebos, "Luau MTV" foi um programa icônico exibido entre 1996 e 2012, sempre durante o verão, com artistas tocando na praia versões acústicas de sua discografia ou hits das rodinhas de violão: um Raul, um Ramones, um Bezerra. Vale fuçar no YouTube. Tem edições memoráveis como a da Cássia Eller, Marcelo D2, Rita Lee, Natiruts. E tem a do Jorge Benjor, que nunca foi ao ar.

Não conheço o ídolo Benjor pessoalmente, mas há relatos de que ele é muito (bastante) criterioso no apuro de seus álbuns e shows. É também por isso, aliado à melódica e à poética absurdas, que ele É O JORGE BENJOR.

Pois em 2012, Jorge topou e gravou em Paraty (RJ) um episódio completo para aquela temporada do Luau, com as singulares participações de Zeca Pagodinho, Sandra Sá, Zé Ramalho, Carlinhos Brown e Fiuk. Realmente singular.

Aparentemente tudo legal, programa editado, mixado & masterizado, "bora aprovar com a equipe do Jorge". E Jorge não aprovou. Jorge não curtiu o resultado de seu Luau, rejeitando a exibição na TV. Ficou pra quem estava ali no dia. Embora ainda não fosse comum a onipresença dos smartsphones, há alguns registros do público, como este abaixo, com Benjor e Zé Ramalho cantando "Errare humanum est", o que reforça a mítica em torno do grande músico e da própria MTV, com suas trajetórias sinuosamente belas.



Aqui um compilado com trechos da gravação.

segunda-feira, 11 de agosto de 2025

O encontro de uns


Busca rápida pela Wikipédia: 11 de agosto é uma Data, assim, com D.

Só no Brasil, é dia do estudante, do advogado, de Santa Clara - padroeira da televisão - e, por conseguinte, dia da televisão.

Nasceram neste dia, Viola Davis, Tatá Werneck e o criador de "Resident Evil", Shinji Mikami. Em contrapartida, partiram Jackson Pollock, o atores Paulo José e Robin Williams.

Nesse mar de efemérides, uma em específico carimbou a história terráquea na segunda metade do século XX. Foi em 11 de agosto de 1973 que o DJ Kool Herc e sua irmã, Cindy Campbell, organizaram uma festa que deu à luz a Cultura Hip-Hop. Isso na Avenida Sedgwick, 1520, Bronx, Nova York. Olha que data responsa.

Também em 11 de agosto, mas de 1991, estreou "Doug" no canal americano Nickelodeon. Definitivamente, meu cartoon favorito e de milhares de pirralhos daquela era.

Outro dia me lembrei que "Doug", certa forma, contribuiu na minha formação como editor de vídeos. Eu moleque costumava cortar artesanalmente alguns episódios no par de videocassetes que havia em casa. Eram técnicas pedestres, verdade. Mas, nessas de passar o desenho de uma VHS a outra, aproveitava pra alterar a ordem das cenas, tirar excessos, emendar sequências, achar o frame certo.

Pelo simbólico da data, resolvi editar uma história de "Doug", como fazia quando menor, e compactei "Doug não sabe dançar" (veja no player abaixo), um episódio que faz referências à Cultura Hip-Hop, juntando, assim, um com um.



sexta-feira, 27 de setembro de 2024

Alguns momentos políticos no VMB

A extinta premiação anual de videoclipes da MTV Brasil terminou em 2012 com um show inteiro do Racionais MC's. Foi o último ato do último "Video Music Brasil". Um ato político, por assim dizer. Quem é que imagina, hoje em dia, um hino a Carlos Marighella cantado em rede nacional num canal de TV aberta? Rolou naquela noite.

Transmitido ao vivo, o VMB teve gestos políticos em quase todas as edições, nem sempre previstos no roteiro. Aconteceu com o próprio Racionais em 1998, quarta realização da festa, quando DJ KL Jay aproveitou a fala de agradecimento pelo troféu "Escolha da Audiência" para lembrar à própria MTV que as pessoas na periferia não conseguiam sintonizar o canal pra acompanhar à celebração.

Carlinhos Brown, ali no papel de mestre de cerimônias, até tentou frear o recado, mas KL Jay, elegantemente, aguardou a intervenção e completou sua fala.


Já o VMB de 1999 começou logo de cara tratando do apagão que infernizou o governo FHC 2. Depois da vinheta de abertura surge Cazé Pecini no breu cobrando o então presidente de botar "um para-raio em Bauru". Assistindo ao vídeo, fica fácil sacar que ele queria dizer outra palavra que rima com Bauru, mas foi de fato um raio na subestação de energia da cidade que desencadeou a crise elétrica nacional. Colado no protesto do apresentador, entra o Paralamas tocando "Que País é Este", um gancho que perde um tanto de força quando se sabe que a MTV também estava promovendo ali o Acústico do Paralamas, lançado dois meses antes.


Em 2004, o evento aconteceu dois dias depois do primeiro turno das eleições municipais. Aqui em São Paulo, de onde era transmitido, foram alçados ao segundo turno Marta Suplicy, pelo PT, e o tucano José Serra, que acabou levando a disputa. Mas não antes de ser chapiscado no palco pelo Otto, a ponto de abandonar a premiação, conforme reportou a Folha.

O texto do jornal, aliás, é curioso. Tem empresário recitando Racionais pra defender o PSDB e a Marta mandando o repórter catar coquinho. 

No ano seguinte, 2005, o Titãs performou a recém-lançada "Vossa Excelência", canção que mira a corrupção em Brasília, auge do Mensalão. O grupo Hermes e Renato também abordou o tema no VMB 2006, mas naquele humor farofa beirando ao nebuloso.



Fico pensando como a MTV das antigas, seja no VMB ou demais conteúdos, lidaria com os fenômenos políticos atuais. Seria engolida por eles? Seria não, arrisco dizer que foi. E nem vale dizer que não faz falta porque temos a internet.

Uma janela que, além de divertir, provoque pensamento contestador em sua audiência nunca é demais.

quinta-feira, 8 de agosto de 2024

Calor do momento

Da pandemia pra cá, nos habituamos às lives. Elas se firmaram como fonte rápida de distração, tudo direto da horta, afinal, acompanhar obras finalizadas, como filmes e livros, não é o bastante. Somos instigados pelo que acontece em tempo real, com todo o charme e os riscos que isso pode proporcionar.

Como entusiasta de registros audiovisuais, às vezes salvo algumas transmissões. Vai que algo relevante seja dito, isso não pode se perder no limbo dos servidores, penso enquanto loto a memória do celular. Geralmente acaba valendo o trampo. Pesco informação ou, no mínimo, um meme em potencial.

Desse acervo de lives, compartilho dois momentos:

Um jet de carro com Mano Brown transmitido pelo MC Vitinho RB. No vídeo, Brown coloca pra tocar um som que passei a conhecer graças à live. Se chama "You'll never get to heaven (if you break my heart)", do grupo The Stylistics. O loko é que o Brown não deixa a música seguir. Aparentemente ele queria enfatizar a intro (ou só tava tirando uma onda).

Essa é de hoje. Kamau comentando os vinis que anda garimpando no giro por Nova York.

quarta-feira, 7 de agosto de 2024

Chuvisco nuclear

À primeira vista, Beastie Boys e Novos Baianos têm pouco a ver. Um é hip-hop nova-iorquino, outro faz samba diverso, ambos flertam com vertentes do jazz e do rock.

Em 1978, enquanto a trupe brasileira lançava o "Farol da Barra", seu último disco de inéditas, Mike D e Ad-Rock debutavam como músicos, formando The Young Aborigines que, pouco tempo depois, foi rebatizada de Beastie Boys, com a chegada do Adam "MCA" Yauch.

Talvez o elo fique na sonoridade experimental de trabalhos como "Vamos pro mundo" (1974) daqui e "The mix-up" (2007) de lá, os dois atravessados pela música instrumental. A guitarra swingada de Ad-Rock cairia muito bem nas mãos de Pepeu Gomes, embora eu fique em dúvida de um vice-versa.

Entre beasties e baianos, misturaria "Multilateral nuclear disarmament" com "Chuvisco" sem erro.


terça-feira, 6 de agosto de 2024

Uma retro espectativa

Pego pra reler uns trechos de "Hip-Hop: Dentro do Movimento", livro-reportagem do Alessandro Buzo, publicado em 2010 como parte de uma coleção da editora Aeroplano dedicada à literatura produzida nas periferias.

São 316 páginas de entrevistas com nomes expressivos da cultura de rua: Nelson Triunfo, Emicida, Marechal, Pathy de Jesus, GOG, Kamau... Muita gente comunicando sua perspectiva sobre a cena naquele contexto. Tipo um mesacast, só que escrito, dado o formato de perguntas e respostas que expõem pontos de vista e repassam a trajetória das pessoas abordadas.

Uma questão recorrente na publicação diz respeito ao que o entrevistado esperava, ali na primeira etapa do século, do futuro do movimento. Passados 14 anos, e apesar dos percalços que os artistas, sobretudo independentes, costumam enfrentar no mundão, é notável o avanço. O hip-hop fixou seu respeito e lugar na sociedade e o Estado, assim como o mercado, investem muito mais no segmento do que na época em que foi lançado o livro. Verdade que há muito a se conquistar, mas o caminho vem sendo pavimentado.

Abaixo, três respostas sobre o futuro publicadas em "Hip-Hop: Dentro do Movimento":

Japão (Viela 17) - "Espero investimento individual e coletivo, que toda a história seja lembrada como um ato heróico, feito única e exclusivamente para tirar o povo pobre do descrédito e do ócio urbano."

Toni C - "Não espero. No lugar, dou minha contribuição para que o hip-hop se reerga. Da maneira que está no atual momento, está bom para quem?"

Parteum - "Espero que saiamos da caixa que nos foi oferecida no início de tudo. Já éramos multimídia antes mesmo de o termo ganhar força, Buzo. Lançar mixtapes, criar campanhas de lançamento de disco com pouca verba, gravar videoclipes (e dirigi-los), criar logotipos, printar camisetas, formatar programas de rádio e TV com a temática do gênero... Qualquer seguidor do hip-hop sabe disso, mas acho que é chegada a hora de olharmos para outros estilos musicais, outras artes e assegurar nosso lugar ao sol, pois hoje em dia emprestamos bem mais do que pegamos emprestado. A 'caixa' ficou muito pequena..."

segunda-feira, 5 de agosto de 2024

Odara é

A primeira versão que escutei de "Odara" foi a do disco "Refestança", na voz do Gil e Rita Lee. Depois, descobri que se tratava de uma canção do Caetano e fui conhecendo outras releituras, como o sample em "Rap du bom parte II", do Rappin' Hood, uma cantada pela Gal Costa no "Mina d'água do meu canto", além da gravação original do autor que tá no álbum "Bicho", lançado no mesmo 1977 de "Refestança" e que tem a mesma minutagem da versão da Gal: 7'17".

Sempre achei uma música gostosa, que te convida a navegar em boas ondas. E com duas ou três digitações é fácil descobrir que o nome Odara tem origem iorubá e significa exatamente aquilo que sugere a letra: tranquilidade, beleza, alegria. Ou seja, Odara nada mais é do que 'daora'.